Poderia ser um sonho. Perleam poderia estar dormindo na paz, no limbo. Mas ao invés disso ele preferira encontrar Marceu, por isso vivera novamente. Aos poucos os pontos vazios do espaço se ligavam: ele apenas sobrevivera porque encontrara seu amigo novamente. Mas a que preço? Será que ele, ainda que subconscientemente, saberia o porquê daquelas coisas estarem acontecendo? Algo estava diferente dentro da sua cabeça. Algo dizia que as respostar estavam por vir. E elas estavam naquele ser que o observava naquele exato momento: um anjo.
– Perleam? Marceu? Vocês estão bem? – perguntou o celestial com uma das mãos no rosto de Perleam.
– Hã? – disse Marceu se levantando devagar – Quem é você?
– Meu nome é Jofiel. Vim te resgatar daqui.
– Onde estamos? – perguntou Perleam. – O que aconteceu aqui?
Uma paisagem devastada os rodeava. Uma provável casa destruída estava há uns trinta metros, apenas alguns gravetos queimados eram visíveis. Um emaranhado de arames estava próximo deles, quase junto a um buraco o único lugar onde o chão não havia sido chamuscado. Parecia a pintura “Você Está Construindo um Novo Mundo” de Paul Nash numa versão realista.
– Nós… nós morremos? – questionou Marceu sem acreditar. – Onde está a escola? O que aconteceu aqui? – perguntou desesperado.
– Ah… Eu não tenho mais idade pra essas coisas… – falou Jefiel conversando com seus botões. –Talvez isto esclareça as suas mentes. – disse o anjo colocando as mãos sobre as frontes dos garotos.
Um caleidoscópio de imagens embaralhadas surgiu na mente de ambos. Um anjo com asas usando uma túnica vermelha recebendo uma ordem de alguém, uma sala vazia com paredes de metal escuro com um homem de terno preto sem rosto segurando duas crianças, “libertatem” na frente do rosto desfocado de um anjo de terno, uma explosão, os pais de Perleam e Marceu desaparecendo em forma gasosa com uma onda de choque e depois só uma sala branca com uma TV antiga com duas letras na tela na terceira língua mais falada no Mundo: “GO”, “Vá”, em inglês. Era uma visão horrível, mas era a realidade deles. Uma prisão de enigmas.
– Estão vendo aquela escola? Era a sua escola. Agora não resta mais nada dela. Foi disso que eu vim lhes salvar. – explicou o anjo. – Por favor, venham comigo.
Jefiel levou-os até seu carro na estrada próxima aos destroços da escola, sentaram no banco de trás, o anjo deu a partida e seguiu pela estrada que passava por entre uma plantação de trigo enquanto explicava:
– Um demônio chamado Alastor estava procurando-os e a única forma de fugir dele seria sumindo do mundo material, então… Então, separamos seus corpos de seus espíritos forjando suas mortes.
– Mas e agora? Estamos mortos ainda? – perguntou Marceu.
– Não. Agora não mais. Após o acidente eu os levei até a barreira entre o espiritual e o mundo material. Mas recebi instruções para deixá-los separados, algo sobre vocês dois fazerem parte de algo maior. – disse ele olhando para os meninos. Ambos estavam sonolentos, cansados e sujos. – Ainda bem que se encontraram… Melhor dormirem um pouco. Acordo vocês quando chegarmos.
– Para onde está nos levando? – perguntou Perleam.
– Vamos para a cidade mais próxima. – respondeu Jefiel colocando a mão sobre os cabelos do menino que dormiu instantaneamente.